segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Mariazell — 850 anos “A cela de Maria”

Mariazell — 850 anos
“A cela de Maria”
Uma pequena cela de um monge, transformada em monumental basílica, é hoje o santuário mais visitado da Europa Central. Peregrinos recorrem à milagrosa imagem de Nossa Senhora desse santuário da Áustria.
Carlos Eduardo Schaffer
Correspondente - Áustria
Mariazell, padroeira da Áustria

Foi no ano de 1157 que o abade Otker, do mosteiro beneditino de São Lamberto, enviou Magno, um de seus monges, para pregar num dos rincões de sua vasta jurisdição. Magno preparou-se para a missão. Havia ainda naquelas longínquas plagas muitos pagãos, ao longo dos sombrios vales entre altas montanhas. Magno temia o desamparo, uma vez em missão. Surgindo dificuldades, com quem se aconselharia? A quem pediria socorro? Por isso levou, com licença superior, uma pequena imagem de Nossa Senhora, talhada em madeira de tília.
O milagre
Mariazell no século XIX

Aproximando-se o Natal, dirigiu-se Magno a um povoado, onde desejava pregar “aos que viviam em cego paganismo” e dar também assistência espiritual aos cristãos. A aldeia ficava mais longe do que ele pensava. Viajava o santo religioso vários dias, sem viva alma encontrar. Estaria perdido? O rumo que havia tomado era correto? Seus mantimentos chegavam ao fim. Impossível retornar ao ponto de partida, onde deixara conhecidos. Não havia estradas nem caminhos batidos, naquele tempo. Numa senda pedregosa escurecida pela floresta, íngreme subida estreita e perigosa. Uma grande pedra, desprendida do alto, barrava-lhe o caminho. Impossível movê-la. Magno não tinha a quem pedir ajuda. Voltou-se então fervorosamente a Nossa Senhora, através da pequena imagem que levava. Em oração, viu de repente o grande bloco fender-se, deixando-lhe livre a passagem. Nesse lugar, no penhasco de Sigismundberg, não muito longe de Mariazell, se encontra hoje uma capela, chamada “Origem de Mariazell”.
“Cella Mariae”
Vitória do rei Luís da Hungria sobre os turcos, em 1370

Uma vez em seu destino, Magno narrou a todos o acontecido. Curiosos, uns e outros começam a se aproximar da imagem, que convidava à confiança. Aos poucos pedem graças, e são concedidas em abundância. Multiplicam-se os fiéis. Magno coloca respeitosamente a imagem sobre um tronco de árvore e começa a construir uma cela (termo que designa, nos mosteiros e conventos, o pequeno quarto dos religiosos), que serviria ao mesmo tempo de capela para sua Protetora e de abrigo para ele. Nessa cela, ambos começam a prodigalizar benefícios a quem pedia: ele dá assistência espiritual, conforme a ordem recebida de seu superior; Ela faz milagres. Assim, a cela do monge, onde estava a pequena imagem, tornou-se procurada por crescente número de fiéis. A “Cella Mariae”, Mariazell (Cela de Maria, em português), deu nome ao lugar.


Peregrinos chegam ao santuário

Multidões passaram a visitá-lo. Uma igreja foi construída por volta de 1200, oferecida pelo conde Henrique de Mähren e sua esposa, assim honrando a milagrosa estátua após cura de grave doença. Essa igreja transformou-se em basílica, que é o santuário mais visitado da Europa Central. Nela se encontra, sob o altar principal, aquele tronco cortado por Magno, primeiro altar da imagem. E a pequena imagem de Maria, atraindo peregrinos de todas as nações que outrora pertenceram ao Império Austro-húngaro, tem hoje o título de Magna Mater Austriae, Magna Domina Hungarorum, Alma Mater Gentium Slavorum(Grande Mãe da Áustria, Rainha dos Húngaros e Senhora dos Povos Eslavos).
A nobreza
O santuário hoje

Outros nobres lá foram, como peregrinos, ao longo dos 850 anos de sua história. Imperadores e reis, generais e homens de Estado lá pediram por suas necessidades pessoais e pelo destino de seus povos. Esta atitude contribuiu para o aumento dessa devoção, pois a nobreza, com sua missão exemplar, arrasta os povos. O rei Luís da Hungria, em agradecimento pela magnífica vitória sobre os turcos em 1370, embelezou a capela original. Os Habsburgos sempre honraram sua Patrona.
Em 1756, como parte das comemorações dos 600 anos de peregrinações, a Imperatriz Maria Teresa doou a magnífica grade de prata, vista ainda hoje como um dos esplendores da basílica, em torno da capela. Nela estão as armas e a coroa imperiais, bem como o emblema da Hungria. São Bento e São Lamberto são representados em grandes imagens postas sobre colunas, na parte externa, junto às imagens de São José e dos pais de Maria Santíssima, São Joaquim e Santa Ana. Da nobreza da Boêmia e Hungria, seus membros tomaram o bordão do romeiro e para lá partiram, acompanhados de grande séqüito.
Ainda milagres
À esquerda, interior da basílica

Não só orações foram ali atendidas, mas também inúmeras curas de doenças do corpo e da alma. Não faltaram conversões. Na basílica se vêem incontáveis ex-votos, quadros retratando milagres, presentes feitos ao santuário em agradecimento de favores extraordinários e de curas obtidas pela intercessão da Mãe de Deus. O livro “Mariazell”, de Iolanthe Habwander, narra alguns fatos impressionantes ali acontecidos.
O Padre Anton Maria Schwartz, fundador da ordem dos Calasantinos, recebeu ali uma graça notável. Corria o ano de 1907 quando ele foi rezar junto à imagem milagrosa, suplicando-lhe o atendimento de um grande anseio. Desejava comprar, em Viena, uma casa apropriada à sua comunidade nascente, mas faltavam-lhe recursos. Terminando a celebração de uma Missa solene na histórica capela, foi para a sacristia. Uma senhora de grande distinção veio até ele, e disse ter recebido, em oração junto à imagem, a inspiração de auxiliar os Calasantinos. “Como posso ajudá-lo?”, perguntou ao Pe. Schwartz. Ao que ele respondeu: “A senhora certamente não me pode ajudar, pois necessito nada menos que 150.000 Coroas”. Ao que ela respondeu: “Está bem. O senhor terá a quantia desejada!”. Ela manteve a promessa. Em agradecimento pelo atendimento extraordinário do pedido, a casa comprada recebeu o nome de “Casa da Imaculada”.
Um ruidoso exorcismo, feito em 1370, é lembrado por um quadro posto na basílica e por figuras sobre o portal principal. Ele consta como sendo o primeiro grande milagre. Tratava-se de uma mãe que, tendo matado seu filho, tornara-se possessa.
Luta contra o comunismo
Túmulo do Cardeal Mindszenty

Quando o Padre Petrus Pavlicek fundou a Cruzada do Rosário e da Reparação, pedindo a libertação da Áustria do jugo comunista, foi em torno de Mariazell que ele reagrupou seus fiéis. Sua Cruzada teve um resultado inteiramente milagroso. Os russos deixaram o país pouco depois, em 1954 (vide artigo em Catolicismo de maio/1998).
O grande Cardeal Mindszenty, arcebispo príncipe e primaz da Hungria, perseguido pelo regime comunista e verdadeiro mártir de nosso tempo, desejou ser enterrado em Mariazell, e de fato teve lá sua primeira sepultura, em 1975, atualmente muito visitada.


Santa Ana e Nossa Senhora

Nestes tempos de impiedade, o fluxo dos peregrinos não é mais como nos tempos da monarquia austro-húngara. Mas incontáveis são os que ainda para lá se dirigem a pé, solitários ou em família. Há peregrinações femininas, estudantis, de motociclistas, de diferentes paróquias, e muitas outras. Até mesmo — o que faz parte da confusão de nossos dias — uma ministra socialista foi a pé, pagando promessa. Principal santuário da Europa Central, Mariazell recebe anualmente um milhão de visitantes, peregrinos em sua maioria. No próximo dia 8 de setembro o papa Bento XVI irá em peregrinação a Mariazell, em comemoração dos 850 anos do milagre.
A atmosfera desse lugar santo, propícia ao contato com Nossa Senhora, é certamente devida à influência dos beneditinos, constante através dos séculos, desde os dias de sua fundação. No recolhido silêncio, sente-se que a Senhora dos Corações tem muito a dizer às almas. Cada um sente-se olhado por Ela. Ela nos vê, ouve, socorre.

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